quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Um parto de luz


Um parto de luz

Hoje depois de nove meses, ou nove dias, pariu-se a luz. Deu-se a luz, findou-se a angustia da espera.
Nesse meio tempo, passei por dias dias de escuridão, iluminado pelo foco da lanterna que resistiu bravamente a dias intermináveis de apreensão.
Apreensão pela perda da rotina. A internação forçada e a abstinência de velhos hábitos já impregnados, quase crônicos.
A apreensão pela ausência da tevê, das novelas que me serviam sentimentos, emoções e finais impecáveis.
Pela separação inesperada do computador, mais ainda pela interrupção dessa conexão, quase simbiose entre corpos distintos.
Apreensão pelo quase descarregamento do smartphone que agonizava segurando-se em míseros percentuais irrisórios e indignos de lembrança.
Apreensão pelo silêncio roubado. Pela solidão furtada. Pela fuga da clausura. pelo desabono das regalias.
Apreensão pela geladeira que se derretia de calor. Ela que sempre fora fria, gélida e irresistivelmente congelante.
Apreensão pela ausência do diálogo já mofado e perdido. Teria eu, o direito a reivindicar por mais atenção da família?
Teria eu, a capacidade de me ressocializar, de me reintegrar ao convívio familiar, perdido há muito tempo.
Eu, sempre convicto dos adventos tecnológicos, tendo agora que recorrer a hábitos primitivos. Hábitos primordiais e adquiridos de berço, mas renegados ante as novas conexões e formas de comunicação.
Simples hábitos, como o sentar e conversar, convertido em bate-papo. O olho no olho, que virou emoticon. a troca de afeto transformada e adaptada para tablets, iphones, notebooks. A troca do tato, pela robótica.
Sofri todas as dores, todas as contrações, todas as vontades, todos os desejos até o fim. Até o parto celebrado.
Em um mundo de conexões reais cada vez mais remotas. Há sempre a possibilidade de que nosso wi-fi ultrapasse a barreira que delimita nossa intimidade e privacidade e nos conecte ao outro por um único sentimento. O amor.

Leandro M. Cortes